ENCANTO E CAUTELA COM O PT
ENCANTO E CAUTELA COM O PT
Mércio Gomes *
A grande vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT nas eleições presidenciais de 2002, bem como o expressivo aumento de sua representação no Executivo e no Legislativo em quase todos os estados da União parecem indicar que o Brasil e o povo brasileiro acharam afinal o partido de esquerda que os possa representar para si e para o mundo. Na história Republicana outros partidos almejaram e lutaram com igual destemor e até maior sacrifício para alcançar o que o PT vem de obter em apenas 22 anos de exercício político. Tempos diferentes, não se duvida, mas tal não é feito inglório, ao contrário, merece o louvor de todos os partidos de esquerda da atualidade, especialmente daqueles que não se coligaram com o PT no primeiro turno, defendendo projetos próprios.
O PPS, cujo projeto foi esboçado e apresentado pela candidatura Ciro Gomes, alcançou em certo momento da campanha (30/07 a 20/09) até 30% de intenções de votos, i.e., da empatia imaginária do povo brasileiro, quando Lula estava com 34%. A candidatura Ciro Gomes, entretanto, desmoronou para 12%, enquanto Lula subia até alcançar 46,4% dos votos válidos depositados em 6 de outubro, para, ao final, chegar à marca recorde de 52.793.261 votos, ou 61,3% dos votos válidos, no segundo turno. Ao que indicaram as pesquisas, grande parte dos votos intencionados, mas perdidos, de Ciro Gomes, ainda no primeiro turno, migraram para o PT, e igualmente no segundo turno. Por sua vez, a candidatura Garotinho, abrigada no vetusto PSB, também acenou ao povo brasileiro um laivo de opção de esquerda, embora fortemente temperada com um linguajar salvacionista e um estrepitoso comportamento para-religioso, à moda americana de evangelização. Seus votos se dividiram entre Lula e Serra no segundo turno.
De modo que, no cômputo geral e à primeira vista de uma análise política exclusivamente funcionalista e quantitativa, em cima do eixo de representação partidária, o Brasil teria chegado, após oito anos de governo neoliberal, ao seu máximo de esquerdismo: no total, cerca de 75% de votos foram dados a representantes nacionais ditos de esquerda no primeiro turno. No segundo, polarizado entre Lula e o candidato da situação, José Serra, essa porcentagem caiu bastante (61,3%), indicando, ou o reconhecimento de que o candidato Serra não era necessariamente de direita, ou a opção Lula não preenchia a visão de muitos eleitores dos demais candidatos.
Por tudo isso, poder-se-ia perguntar: o Brasil ficou, para o gáudio e felicidade geral dos sonhos nossos utopistas, rouge? Pergunta que deixamos no retórico e resposta que se queda vazia. Seria demasiado pretender discorrer sobre a visão e a atitude política do povo brasileiro e as suas circunstâncias atuais em tão pouco espaço de tempo, e sobre números de votos. Importa aqui a preocupação de analisar o vencedor, o PT, sua formação e sua essencialidade para que possamos reconhecer seu papel na história brasileira recente e para podermos nos situar perante o governo Lula, que se inicia em 2003. O fato de uma outra proposta, a do PPS, ter tocado no imaginário político-cultural de quase um terço da população brasileira nos leva a crer que o povo brasileiro reserva uma cautela ao PT, apesar de o ter consagrado nas urnas. Tal cautela tem sua razão de ser, e este é o sentido das considerações que se seguem.
Nossa análise político-cultural é fruto de muitos anos de reflexão sobre o formato de ser do PT, sua origem nos estertores da ditadura militar, sua reificação da organização sindicalista, sobretudo de classe média, como meio de veicular sua mensagem e suas atitudes políticas, sua mistificação a-histórica do povo brasileiro, e sua pretensão de ser o legítimo representante do sentimento de brasilidade.
I
Há mais de 20 anos o povo brasileiro tem ouvido os discursos e experimentado as práticas políticas do Partido dos Trabalhadores. Autointitulando-se o representante de todos que trabalham, por suposto em oposição aos que vivem do capital, o PT ganhou uma aura de legitimidade popular como poucos partidos ou movimentos sociais jamais conseguiram no Brasil. A glorificação em vida de um ex-operário, homem do povo sofrido, migrante nordestino a São Paulo, impoluto e ilibado, só fez consolidar esse carisma. Para este partido, depois de quatro eleições presidenciais, chegou a hora de provar o gosto do pudim. Muita gente vai se aproximar e querer estar junto. Entretanto, um momento de reflexão e cautela não faz mal.Sejamos diretos: há inúmeros motivos políticos, culturais e filosóficos para não se confiar que o PT é o partido que melhor pode representar os anseios do Brasil e as necessidades de ascensão do povo brasileiro. Em cada estado brasileiro onde esse partido tem visibilidade e posicionamentos políticos definidos, e até naqueles onde ele nunca chegou a se erguer com viabilidade político-eleitoral, despontam marcas de negatividade no seu comportamento político. O PT tem demonstrado ser autocentrado, totalizante, manipulador de eventos políticos, crítico de oportunidade, infirme para com parceiros, internamente divisionista e ilusionista para com os anseios populares. Sua visão político-cultural do Brasil tem como fulcro o ideal pequeno-burguês da classe média urbana, nas suas modalidades sindicalista, radical, moralista e narcísica. Simbolicamente, basta observar as letras de suas canções e vinhetas eleitorais (exemplos, “sem medo de ser feliz” e “é só você querer”) para que isto se evidencie. Politicamente, basta um único exemplo da atuação negativa do PT, no caso em relação ao programa educacional do Rio de Janeiro nos dois governos Brizola (1983-87; e 1991-94) para esclarecer o sentido desse comportamento. Em muitos outros estados exemplos semelhantes podem ser lembrados.
Em 1982 a eleição de Leonel Brizola reavivou a possibilidade de retomada do movimento nacionalista-trabalhista - nem comunista, nem liberal -, que vinha sendo construído desde a década de 1920, com o Movimento Modernista, com a Revolução de 1930 e durante toda a década de 1950 até o golpe de 31 de março de 1964. O Brasil crescia economicamente, desafiava sua estrutura classista e racista com atividades sociais e culturais e parecia estar consolidando um caminho de formulação cultural autônoma. O golpe de 1964 e o supra-golpe do AI-5, de dezembro de 1968, obstruíram esse caminho e abriram uma dupla vereda de ilusão econômica e desencantamento cultural. Aumentando o fosso entre povo e classe média, alienou ainda mais esta última, que só foi se dar conta do embuste quando começou a sentir sua renda caindo, a partir de 1978. Pois então, em 1982, com as eleições diretas para governador um caminho novo se abria, não se sabia ainda para onde, sob que condutor ou que condições, mas trazia esperanças.
Darcy Ribeiro, intelectual e homem público com raízes na cultura brasileira, na antiga militância comunista e então no trabalhismo, chamou esse movimento de “socialismo moreno”.
Entre os principais projetos do governo Brizola estava a criação de um novo modelo educacional para o ensino fundamental. Idealizado por Darcy Ribeiro, o sistema cognominado CIEP pretendia realizar os propósitos de uma linha histórica de educadores brasileiros que começara com o Movimento dos Pioneiros de 1929, passando pela Escola Modelo de Anísio Teixeira e pelo experimento de Ensino Médio criado nos primeiros anos da Universidade de Brasília. Adicionava-se a isso uma metodologia de ensino que partia do respeito às culturas locais do alunado, por inspiração do Método Paulo Freire e de idéias construtivistas, incluía um espaço físico amplo para a prática de esportes, a permanência dos alunos durante oito horas na escola, a alimentação integral, o cuidado médico e odontológico, e ainda a presença de tutores para jovens carentes cujas famílias não os podiam sustentar, especialmente aqueles que estavam vivendo nas ruas. Os prédios, desenhados por Oscar Niemeyer, eram de concreto armado, construído em larga escala em fábricas, fáceis de montar em qualquer lugar, portanto, resultando em custos relativamente baixos.
Darcy conclamou partidos políticos e a sociedade civil para apoiar esse projeto, que podia abrir caminho para um modelo mais generoso de educação para o povo trabalhador excluído, diminuindo com isso o fosso entre este e a classe média, já àquela altura totalmente entregue à escola particular. Darcy convocou o professorado superior e de ensino fundamental para ajudar a conceber melhor o projeto e a realizá-lo na prática.
Como respondeu o PT a esse projeto? Apesar do apoio dado em diversas ocasiões por Paulo Freire, que então vivia em São Paulo já incorporado às hostes intelectuais do PT, este partido montou uma avassaladora campanha de críticas sobre todos os aspectos do projeto, arregimentou o sindicato de professores para boicotar, chantagear e obstaculizar a sua implementação, jogou pesado para cooptar o professorado ainda jovem para uma retórica e um comportamento de feroz resistência, enfim, fez eco multiplicado das críticas que a imprensa conservadora vinha veiculando por interesses políticos.
Nessa ocasião é que Darcy Ribeiro cunhou a frase “o PT é a esquerda que a direita gosta”.Pois bem, o projeto dos CIEPs fracassou e com isso o PT teve uma vitória inegável do ponto de vista político, pois desnorteou do eleitorado fluminense a visão generosa e revolucionária desse projeto. Em consequência, os seguintes governos deixaram de manter e dar continuidade a esse projeto de escola integral, e o resultado é que empacou a entrada de milhares de jovens de famílias pobres no circuito de conhecimento necessário à obtenção de trabalho dignificante. A educação que existia, que servia, como ainda serve, para manter o status quo desigualitário, continua a impedir a elevação do nível educacional. Assim, ao cabo de 20 anos de balanço, o baixo nível educacional, a desmotivação do professorado, a alienação dos pais e o baixo rendimento dos alunos no Rio de Janeiro alimentam a exclusão social dos jovens da classe trabalhadora, insuflam a existência de alternativas marginalizantes, retrai, como já disse Dante Aleghieri, “qualquer esperança” de mudança a curto e médio prazos. Resta agora nos apegarmos ao mote dos últimos dias da campanha eleitoral do PT, segundo o qual a esperança vence o medo, e torcermos para que as críticas então feitas possam agora ser norteadas para uma atitude de inovação e de realização na área educacional que recupere a esperança criada por Darcy Ribeiro em 1983.
Creio que esse exemplo é bastante cruel, mas certamente se equivale a tantos mais em outros estados onde o PT tem mostrado sua garra para impedir cada e toda mudança real que não venha de sua incipiente e limitada criatividade político-cultural.
Ultimamente o filósofo Denis Rosenfield tem com muita coragem desmascarado a administração petista no Rio Grande do Sul, demonstrando seu caráter autocentrado, exclusivista e ilusionista. O propalado “orçamento participativo”, estabelecido na prefeitura de Porto Alegre, tem demonstrado ser nada mais do que um aliciador de jovens para se transformarem em quadros petistas nos bairros periféricos, sem nenhuma melhora sensível nas condições de vida das populações que lá vivem. Por sua vez, a interferência partidária em instituições como a Polícia Militar demonstram o caráter totalitário do PT naquela administração. A pergunta é: Por que o PT fez o que fez no Rio de Janeiro, e por que continua a fazer toda vez que algum partido congênere, de esquerda, sem falar nos partidos de centro e de direita, cria alguma coisa fora dos padrões a que se restringe sua concepção do mundo e sua capacidade de trabalho político? A resposta não é curta, nem circunstancial. A razão desse comportamento é estrutural, está no ADN do PT e deve ser buscada na própria configuração de seu surgimento.
II
O surgimento do PT está contado em seus manuais de propaganda e nos livros analíticos escritos quase sempre por simpatizantes, dos mais científicos aos mais ideológicos. O PT teria nascido do movimento operário do ABC paulista nos estertores do regime militar, quando o crescimento econômico que suportara durante uma década o sistema político, o operariado das grandes indústrias e a satisfação da classe média, apresentava de súbito sinais de rápida e incontida desaceleração. Nesse momento os sindicatos de operários e da classe média, cujas direções até então estavam aquietadas, começaram a vociferar seu descontentamento de classe, o qual foi logo amoldado em discurso político contra o regime militar. Surgia de súbito um líder jovem, com pouco mais de 30 anos, cuja voz e cujo porte se elevavam à estatura de líder carismático. Em torno dele se agregaram os sindicatos da grande indústria automobilista, das estatais e de funcionários públicos, a Igreja Católica, suas pastorais e suas comunidades de base, o jovem segmento da classe média frustrada nos últimos anos pelas perdas salariais, em busca de recomposição social, enfim, muitos potenciais políticos que advinham de atuações políticas desenganosas, seja como participantes de guerrilhas, seja como membros desgarrados dos partidos de esquerda que haviam sido banidos pela ditadura militar. Um ou outro membro da elite econômica ou da tradição política também se incorporou, ainda timidamente. Para esta composição inicial, bastante díspar em suas posições de classe e visões de mundo, os ideólogos do PT procuraram estabelecer as bases filosóficas e políticas que amalgamassem uma identidade comum.
Os principais formuladores dessa concepção foram dois professores da Universidade de São Paulo: Francisco Weffort e Marilena Chauí. Eis como esses dois intelectuais justificaram o PT.
Weffort é cientista político, aluno de Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Entrou na discussão política ainda durante o período que ele e outros daquela academia convencionaram chamar de “populista”, escrevendo um artigo em que considera populismo toda atuação político-partidária e de Estado que se apresenta como sendo em prol do povo, como tendo uma identidade popular, quando, na verdade, seria um movimento da elite e para a elite.
O mecanismo dessa atuação procederia através da aparente concessão de alguns benefícios e garantias políticos, econômicos e sociais, os quais, por suas naturezas limitadas, não afetariam substancialmente a equação social existente. Para que os trabalhadores se sentissem partícipes, o mecanismo envolveria a cooptação, ao custo de favores pessoais ou de grupo, de líderes trabalhadores que para tanto teriam que trair os interesses maiores de sua classe. O populismo seria, portanto, nada mais que uma enganação da elite - rural ou burguesa - sobre o trabalhador, ainda não consciente de seu potencial revolucionário, e do povo, ainda insciente sobre as causas sociais de suas condições de vida. Para Weffort e seus epígonos, tudo que acontecera no Brasil desde a Revolução de 1930 não passara de populismo, de Getúlio Vargas a Ademar de Barros, a Jânio Quadros e João Goulart, e, por que não, também o período de Juscelino Kubitschek. No limite também Plínio Salgado teria apelos populistas. Apressado em não perder a ocasião, um outro professor da USP, Otávio Ianni, publicou nos primeiros anos da ditadura um livro que teve grande repercussão pelos anos seguintes, com o título “O Colapso do Populismo”, que consolida as teses de Weffort e iria dar sentido político à atuação política posterior das esquerdas pós-ditadura.
O governo Goulart teria sido o ápice e ao mesmo tempo o fim de um período e de um modo de fazer política que havia se destruído por suas próprias fraquezas e contradições. Nem era preciso falar em militares cooptados pela guerra fria, empresários avessos a dar concessões salariais e participação nos lucros, elite política e social com receio de perder poder, o imperialismo americano financiando o golpe com medo de possíveis desdobramentos da revolução cubana no maior país da América Latina.
O que ficou marcado na sociologia uspiana desde então é que o populismo passou a ser encarado como um anátema político, um câncer que fora extirpado e que não podia voltar.Nos primeiros anos da década de 1980, Weffort ficou encarregado de demonstrar em todas as ocasiões possíveis, analíticas ou ideológicas, acadêmicas ou jornalísticas, que o PT nascera contra o populismo, sobretudo porque nascera do primeiro movimento autóctone do trabalhador brasileiro. Em certo momento Weffort chegou a dizer que a única coisa positiva que havia acontecido desde a Abolição da Escravidão era o PT. Tudo mais teria sido enganação da elite, à revelia do povo, e para mantê-lo sempre sob rédeas curtas. Perante essa retórica, que se tornou senso comum nos meios universitários e em seguida no professorado escolar, muitos se surpreenderam quando, na primeira oportunidade, a eleição de seu professor Fernando Henrique Cardoso, Weffort, que estivera no âmago do PT, como membro de sua Executiva e seu principal ideólogo político, se bandeou para o barco do PSDB tornando-se ministro da cultura. Mais adiante entenderemos por que a surpresa é ingênua.
Marilena Chauí é filósofa da USP, tendo incorporado em seu modo de pensar a visão socialista-estruturalista francesa, especialmente do cientista político Claude Lefort. Em fins da década de 1970 ela escrevia intensamente contra a idéia de “competência”, alegando que tal conceito não passava de uma arma ideológica da elite burguesa, pois servia unicamente para encobrir um discurso de poder, de classe superior.
Augurava, quem sabe, como poeta-filósofa, o surgimento de quem, por essa análise, devia por princípio negativo ser considerado competente. Escreveu também criticamente sobre o uso ideológico de conceitos de cultura popular e cultura erudita, sem esclarecer sobre suas incompatibilidades ou não. Em 1985, Chauí foi secretária de cultura da prefeitura petista de Luíza Erundina, onde se esmerou para criar uma cultura de leitura nos bairros e defender minorias. Em novembro de 1989, no segundo turno da eleição presidencial, ela iria defender por que o PT seria o verdadeiro e talvez o único partido de esquerda, do povo e para o povo, a existir no Brasil. Sua definição do PT seria elaborada por uma lógica de exclusão daquilo que ele não era. O PT teria surgido em contraponto a outros movimentos político-culturais que deram origem a partidos de esquerda tradicionais. Os principais contrapontos ao PT seriam:
a. O velho PCB, na medida em que o PT recusa o leninismo, isto é, a concepção e a prática do centralismo democrático por ela ser autoritária, exclusivista de iluminados, refutadora da participação dos militantes, que seriam passivos. Ademais, o PCB estivera desde sempre dependente de influências externas, que tendiam a obnubilar a visão crítica e analítica dos seus quadros intelectuais. Por esses motivos é que o PCB teria se envolvido numa aventura em 1935 e tinha ao longo dos anos dado motivos para ser proscrito por tantos anos. Por conseguinte, ficava revelado que toda a prática política do velho Partidão teria resultado num atraso à autoconsciência do povo trabalhador brasileiro.
b. O PTB, isto é, o partido trabalhista supostamente criado à imagem e semelhança do populismo getulista, com viés para-fascista, e que se prolongara na década de 1950 até o golpe de 1964. Para o PT, segundo Chauí, o trabalhismo não passaria de um movimento da elite política para preservar o capitalismo e rechaçar as possibilidades revolucionárias do movimento operário que havia surgido em São Paulo desde o início do século XX, que teria estado em ascensão e que fora reprimido e suprimido de suas potencialidades por concessões forçadas de interesses não totalmente legítimos, como as medidas da CLT, a unicidade sindical e o papel interventor do Ministério do Trabalho. O PTB tinha sido, sobretudo, um partido de elite em pele de cordeiro para iludir os trabalhadores de que eles estavam com o poder e tinha participação no seu destino econômico e social.
c. A guerrilha, isto é, os movimentos de grupos armados oriundos da perda de hegemonia dos partidos comunistas, que haviam se insurgido voluntariosamente contra a ditadura militar, por fruto de decisões equivocadas e por isso mesmo sem ter o respaldo nem de trabalhadores organizados, nem da classe média insatisfeita (que então estivera mais ou menos satisfeita), nem do povo em geral.
As três palavras chaves em itálico, autoritarismo, ilusionismo e voluntarismo resumem o sentido máximo da crítica de Chauí a esses partidos e movimentos de esquerda que antecederam o PT, e que lhe poderiam fazer algum tipo de desafio intelectual. Urgia abrir-lhes suas feridas e seus pontos fracos para que fossem rechaçados e em conseqüência para se pudesse traçar o caminho para a caracterização novidadeira do PT. Que seria contra tudo isso. Portanto, o PT era e haveria de ser democrático e participante em suas decisões, científico, isto é, não ideológico em sua concepção filosófica, e organizado como estrutura com estratégia de curto e longo prazos. O PT seria a culminância de toda a trajetória do povo trabalhador, especialmente desde os românticos imigrantes anarquistas, trajetória que passara por meios e modos que precisavam ser expurgados porque estavam a conspurcar a pureza do novo.
A partir dessas concepções, todas nascidas do movimento político-cultural da USP, que repulsava os movimentos anteriores, é que o PT se fez discurso ideológico e prática política pelo Brasil afora. Atraiu o operariado sindicalizado da grande indústria consolidado pelo desenvolvimento econômico dos anos de chumbo da ditadura militar, cujas lideranças anteriores haviam sido destroçadas; atraiu uma juventude de classe média que estivera alienada e sem participação e que vinha perdendo garantias e privilégios de classe; atraiu conceituados segmentos da Igreja Católica e o sentimento cristão de ação política em função da sua anterior negação aos partidos de esquerda, mas que durante a ditadura estivera do lado dos mais oprimidos e reprimidos; por fim, atraiu políticos jovens advindos de experiências frustradas e de desencantamento com os movimentos políticos acima vistos, especialmente da guerrilha. Estes últimos foram, sem dúvida, os grandes organizadores do PT, compondo atualmente parte de seus quadros superiores, embora alguns tenham abnegado de suas visões mais radicais. Por outro lado, os estertores finais da União Soviética já se faziam sentir nos países periféricos, tal como a Polônia que, naquela conjuntura tinha um papa, um líder operário de grande carisma e uma organização pré-partidária, a Solidariedade. A imensa propaganda positiva que Lech Walesa recebeu na Europa e daí para o Brasil foi integrada em paralelo com o surgimento do PT e com a figura de Lula. Ambos surgiam como grandes novidades, puras em sentimento e em ação, e estariam batalhando contra regimes totalitários, autoritários, enfim, contra o passado que precisava ser enterrado e superado.
No campo intelectual, a ideologia petista - emoldurada por catedráticos da USP, que, aliás, por força do desmoronamento da Universidade do Brasil e do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que até o golpe ainda constituíam baluartes do pensamento de esquerda no Brasil, se tornara hegemônica no pensamento social da época - se impôs nas universidades, sobretudo pelo uso desenfreado que fazia do conceito de autoritarismo, com o qual mesclava todos os movimentos políticos e culturais (exemplo, o Conselho Popular de Cultura) prévios ao surgimento do PT.
Aqui, portanto, cabe uma palavra a mais sobre autoritarismo para que fique bastante clara a importância do uso desse conceito na formação e propagação do PT pelo Brasil.
III
O conceito de autoritarismo foi introduzido no cenário brasileiro a partir de um artigo publicado no fim da década de 1960 pelo cientista político espanhol radicado nos Estados Unidos, Juan Linz. Usando de argumentos retirados da sociologia weberiana, Linz propunha que o que se passara na Espanha franquista, em Portugal salazarista, bem como aquilo que estava se passando no Brasil dominado pelos militares era fruto de uma atitude política própria de uma fase do capitalismo ainda dominado pelo patrimonialismo. O autoritarismo seria o exercício do poder obtido por razões de direito que antecediam um verdadeiro pacto político-social. Assim, independente de estar vivendo num regime ditatorial, o Brasil de 1968 era antes de tudo um Estado autoritário por força do exercício do poder sem participação do povo. Para os propugnadores da aplicação do conceito de autoritarismo, o Brasil tinha sido autoritário desde sempre, fosse no Império, na República Velha, no Estado Novo e mesmo nos tempos do populismo. Desse modo, numa cartada só esse conceito reuniu tudo que havia acontecido na história política e social brasileira reduzindo-a a um denominador comum.Por sua vez, o autoritarismo político estava arraigado num modo de ser social, numa psicologia e numa cultura. Por todos os seus poros, o Brasil seria autoritário: na relação entre burguês e operário, rico e pobre, brancos e pretos, professor e aluno, enfim, homem e mulher, e por que não, amado e amada. Todos deviam se cuidar para não serem autoritários, um germe epidêmico que precisava ser extinto.
Quanto mais tradicional na cultura brasileira, quanto menos consciente do processo de mudanças multifacetadas pelas quais o país passava, quanto menos enfronhado no novo discurso anti-autoritário que surgia com força nesses tempos, especialmente trazido por uma filosofia francesa pessimista, cuja porta-voz principal era Michel Foucault, mais autoritário a pessoa seria.
Mas quais seriam os critérios que poderiam definir o ser autoritário e a atitude não autoritária? Quem estaria apto para aplicar esse critério?
Nos estertores da ditadura militar, como se não quisesse cutucar a onça de vara curta chamando-a por seu nome verdadeiro, os intelectuais e os políticos com ares de democratas ou de revolucionários passaram a chamá-la de autoritária. Ulysses Guimarães, Franco Montoro, o iniciante Fernando Henrique Cardoso, os cientistas políticos do IUPERJ e da USP, seguidos por seus epígonos, enfim, os intelectuais que estavam fazendo o PT. Em seguida o conceito de autoritário foi estendido para o passado mais recente. Sofreram essa pecha sem piedade o cambaleante Partido Comunista, sem quadros e sem discurso para se reestruturar no movimento operário ou na jovem intelectualidade; o trabalhismo criador de líderes pelegos, o insensato populismo piromaníaco. Para usar uma surrada imagem política, jogaram lama em cima de todos aqueles que estavam voltando do exílio achando que podiam retomar a história do ponto em que a haviam deixado.
Darcy Ribeiro exemplificou essa atitude negativa ao dizer que os militares o haviam anistiado, mas não seus colegas da academia!O uso do termo autoritarismo se prolongou por uns bons vinte anos. Ainda hoje se ouve ecos acusatórios, já menos intensos e dirigidos com menos nitidez. O estrago já estava feito. O autoritarismo foi usado para esvaziar o potencial de retomada da história brasileira por aqueles cujas carreiras e pensamentos foram interrompidas pela ditadura. Beneficiaram-se propositalmente aqueles que, de algum modo, haviam preenchido o vazio deixado pelos exilados nas universidades, nas instituições de produção de saber ou de propaganda ideológica, nos partidos políticos. Os beneficiários souberam espalhar nesses meios que os retornados eram de uma outra era, que estavam defasados intelectual e politicamente, que não poderiam voltar a ser o que eram antes porque seria uma volta ao passado autoritário.
Quem soube se aproveitar melhor dessa conjuntura? O PT e o grupo do PMDB, especialmente centrado em São Paulo, que mais tarde iria formar o PSDB. Eis porque o PT está bastante vinculado tanto à ideologia que emana de São Paulo quanto ao seu fraterno oposto, o PSDB.
IV
Algumas palavras da relação entre PT e PSDB cabem aqui. Foi mencionado de passagem que a USP tornou-se hegemônica desde a década de 1970 sobre o pensamento sobre a sociedade brasileira. Apesar de não ter apoiado o golpe, a USP não sofreu tanto quanto a Universidade do Brasil e o ISEB, que até então faziam pesquisas e produziam conhecimento paralelo ao da universidade paulista. As mencionadas instituições fluminenses foram arrasadas, suas principais lideranças exiladas. O ISEB se acabou de vez, tendo recebido sua pá de cal pela feroz crítica que lhe foi feito por um dos jovens próceres da USP, que o cognominou de “fábrica de ideologia”. Desse modo, a ciência estava preservada no pensamento uspiano, os demais sendo produtores tão somente de má ciência, de ideologia. Em nenhum momento desde sempre algum intelectual da USP fez uma análise crítica do surgimento ideológico desta instituição, e do seu papel político em elevar o pensamento burguês paulista à condição de superior aos demais pensamentos.
Uma análise sobre o papel dos intelectuais franceses criando uma sociologia que induzia a se pensar que até então o Brasil não tinha intelectuais e pensadores, que o Brasil carecia de tradição de pensar, sobre Florestan Fernandes afirmando seu método como científico (por ser funcionalista e depois marxista), em oposição ao ecletismo dos demais, sobre o CEBRAP, com o auxílio da Fundação Ford (assim como o IUPERJ e o Museu Nacional, no Rio de Janeiro) se impondo como arena de discussão e crítica do período pré-golpe e, na medida do possível, sobre as alternativas radicais ou negociadas dentro do regime ditatorial. Essas novas instituições do saber sociológico se impuseram não só academicamente, mas também político-ideologicamente sobre as instituições similares em todo o país, especialmente porque conseguiram recursos para pesquisa de fundações americanas, bem como o domínio sobre os órgãos oficiais de fomento, tais como o CNPq, a CAPES e a Fapesp. Algum dia é preciso fazer uma análise de por que, como e por que meios as fundações Ford, Rockefeller e em seguida a MacArthur foram tão pródigas no financiamento dessas instituições.
Para além da discussão propriamente acadêmica, de cunho teoricista, a nova discussão sociológica se esparramou pela mídia a partir de 1976-77 através de revistas e jornais como Opinião e Movimento. Além de autores estrangeiros revisionistas do marxismo, ligados a uma tradição weberiana, com laivos de Hanna Arendt, que eram vistos como os teóricos dos novos tempos, a discussão foi aplicada à atualidade brasileira com vistas à busca de uma saída para o fim do regime ditatorial, cognominado “autoritário”. Duas saídas despontaram: uma democracia light, sem radicalismo, sob a hegemonia burguesa paulista, à la social-democracia européia; ou um “socialismo” baseado no novo operariado paulista, que emularia os sindicatos de classe média e por osmose a organização do povo insciente e desorganizado. Isto é, as duas opções se concretizaram no PT e mais tarde no PSDB.
Diferentemente do PSDB, o PT se tornou um partido nacional, e não quase que exclusivamente paulista ou paulistocêntrico, não por causa do seu operariado de fábrica, mas por causa da simpatia que lhe devotou a jovem classe média frustrada, até então não participante e confiante no projeto econômico do regime. Politicamente esse segmento da classe média aparelhou-se nos sindicatos de funcionários públicos, do professorado, nas incipientes associações da sociedade civil, nos movimentos a favor de minorias e causas para-políticas, como meio ambiente, homossexualismo, etc.
Por sua vez, a Igreja Católica apoiou a idéia de um partido que se posicionava contra as ideologias comunista e trabalhista, que ela tanto atacara desde sempre. Os ideólogos da teoria da libertação propuseram uma relação mística dos vários segmentos oprimidos do povo com a divindade e a idéia colou.
Portanto, na ruptura com a ditadura militar surgiram visões de um novo mundo que rejeitavam a história brasileira (reificando aquela famosa frase que diz que “brasileiro não tem memória”) para criarem novas instituições a partir da crítica específica ao tal regime autoritário. O novo parecia surgir por si mesmo. O novo e sua mística valeram para arrebanhar a imaginação daqueles que jamais haviam participado de política e dos que no fundo tinham apoiado os motivos que os golpistas de 1964 alegavam para ter derrubado o regime democrático pregresso. Nisso o PSDB, contrapondo-se ao udenismo, ao liberalismo e ao mais recente MDB, e o PT rejeitando as políticas de aliança comunista-trabalhista-nacionalista do governo Goulart, despontaram com o mesmo figurino de novidade, como as duas faces de uma mesma moeda. Não é surpresa, portanto, quando se fala que suas visões de Brasil e os seus quadros técnicos são intercambiáveis.
V
Duas observações finais de dois luminares da atualidade darão a medida exata da relação PT - PSDB e da semelhança de seus projetos político-culturais. Um deles é Alain Touraine, professor de Sociologia do Trabalho, da Universidade Sorbonne, amigo de Fernando Henrique Cardoso. Antes ainda do primeiro turno, ele disse em entrevista que o PT iria ganhar e deveria fazer por bem se aliar ao PSDB, já que seus quadros advêm da mesma origem e têm pensamentos comuns. O outro é o poeta Caetano Velloso que, um tanto reticente em declarar seu voto para Ciro Gomes, falou em seminário na USP que apenas Ciro representaria algo fora da USP e, portanto, carregava maior representatividade para entender a complexidade cultural brasileira. Caetano, obviamente, não menospreza a USP, ao contrário; apenas não a sente capaz de dar conta do que é o Brasil. De modo contrário, Alain Touraine sobrevaloriza o pensamento uspiano, e despreza o que há de resto no Brasil. Tal qual o PT e o PSDB.
VI
O autocentramento do PT tem duas razões de ser. Uma é de constituição de identidade e diz respeito à preservação de suas características e imagem diante dos eleitores e das circunstâncias políticas. O PT se consolidou como partido pela consistência de seu posicionamento político perante a nação. Considerando o jogo político como algo de legitimidade duvidosa, o PT estabeleceu seus próprios princípios para jogar. Nos momentos em que lhe foi exigido transigência a alguns desses princípios, o PT não transigiu. Isto ocorreu durante acontecimentos que são considerados por muitos como cruciais na história recente do país, a exemplo da eleição pelo Congresso Nacional do presidente Tancredo Neves, em 1984, fato simbólico para o fim da ditadura militar; a assinatura da nova Constituição brasileira, em 1988, fato simbólico para o início de um novo período de democracia; e a participação político-administrativa no governo do vice-presidente Itamar Franco, após o impedimento de F. Collor, fato de alguma relevância moral para o Brasil. Nessas ocasiões, o PT se negou a participar e puniu membros que ousaram ir contra essa determinação. Nesse sentido, o PT se considera o único partido “puro” ou legítimo para representar o povo brasileiro, visto como uma consolidada maioria oprimida.
A outra razão de autocentramento é estratégica. Refere-se à necessidade de abrir um caminho próprio diante dos “percalços”, não de “acontecimentos” políticos. O PT considera que a política no Brasil é uma farsa das elites para enganar o povo. Assim, todo evento político não passaria de uma encenação, uma ilusão enganadora, que, portanto, deve ser ultrapassada à luz do interesse estratégico maior do partido, qual seja, o poder total. O PT rejeita em princípio alianças de qualquer natureza. Só as tem feito, ou com partidos que intrinsecamente não mais visam o poder, como o PC do B, ou, nos últimos tempos, com partidos que lhe possam conferir uma imagem nova, mas que não forcem mudanças vitais na sua concepção política. O máximo que o PT e seus administradores concedem a esses aliados de conveniência é negociação de pontos insignificantes em programas de governo e participação subalterna no poder, nunca uma simbiose de forças. Nesse sentido, o PT almeja ser o único partido real, aquele que deve ter o poder ao final, idealmente como partido único.
Que forças sociais dão suporte a esta visão e esta atitude políticas do PT? Certamente não é sua base trabalhadora, já que se pode supor que, no Brasil, como de resto no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores se posicionam, em relação ao capital, de um modo relacional e negociador, não de confronto. A não ser por um outro grupelho que professa a adaptação de um trotskismo canhestro (o maoismo e a glorificação da Albânia já se foram) ao Brasil, os trabalhadores e a maioria de brasileiros que desejam ser trabalhadores sindicalizados apostam na negociação, o que implica de algum modo em aceitação estratégica de sua posição social. Assim, a força social que induz o PT ao autocentramento advém dos outros dois segmentos que o compõem: o segmento radical da classe média, que projeta o Brasil à sua imagem e semelhança, e o segmento de cunho religioso.
Embora de visões diferentes, esses dois segmentos são liderados por pessoas de idêntica extração social. Destituídos de historicidade, eles apelam para a elevação de seus estatutos de classe como modelo para todo o Brasil. Em outras palavras, elas acreditam que seu modo de ser e viver é o que deve representar e ao mesmo tempo servir de emulação para todo o povo brasileiro, especialmente os destituídos de significação política e de sentido cultural.
VII
Uma idéia bastante propalada pelo PT, especialmente nos seus momentos de baixa, é de que o PT, sua existência, faz bem ao Brasil. Que o PT, pela honestidade de seus quadros e pela vigilância que mantém sobre “os donos do poder”, é imprescindível ao país. Que pelo menos dá um peso contrário que ajuda a produzir um equilíbrio político no Brasil. Ora, não existe monopólio de honestidade em partido político, nem o PT teve experiências suficientes para demonstrar que está vacinado contra o vício da corrupção e do peculato. Ao contrário, suas experiências reiteradas no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul, em Belém, em Santo André e outras cidades estão a desdizer essa alegação. Que outros partidos de centro e de direita têm índices bastante mais altos de desonestidade, não restam dúvidas, mas tudo indica que a inépcia administrativa do PT provoca perdas igualmente altas ao erário público, bem como atrasa o caminho do desenvolvimento socioeconômico do país.Por sua vez, o espaço cultural onde predomina a honestidade pessoal e pública, isto é, o respeito ao dinheiro público, não surgiu com o PT, nem é muito menos um evento recente. Ao contrário do que supõem até bons intelectuais com tendências petistas, a honestidade pública brasileira existe desde a incepção do espírito republicano, com os positivistas, passa pela ética e pela moral pessoal dos comunistas, por largos segmentos do trabalhismo, inclusive pelo próprio Getúlio Vargas, e faz parte do caráter de uma boa parte da elite brasileira de espírito público, que ajudou a produzir o desenvolvimento do Brasil. Figuras como Arthur Bernardes (independente de sua atuação política durante seu período de governo), José Maria Alckmin, Israel Pinheiro, Barbosa Lima Sobrinho, o próprio João Goulart e seus principais ministros, apenas para citar aqueles que fizeram política e administraram o país antes do golpe de 1964, e tantíssimos outros de porte político menor, são reconhecidos acima de qualquer suspeita. Haverá muitíssimos mais exemplos que precisam ser reconhecidos como sendo resultado de um espaço cultural que existe no Brasil, sobre o qual é preciso se refazer a história política brasileira diante da simplificação a que foi submetida por uma sociologia apressada e ideológica que domina os centros de conhecimento e pesquisa do país.
Independente do PT, a honestidade política e administrativa brasileira é uma virtude real, com uma história e com um potencial ainda maior para se expandir sobre a desonestidade, que todos reconhecem. O que mais importa é encontrar os mecanismos e criar instituições culturais e sociais que favoreçam essa expansão. E estes não serão predominantemente jurídicos e contábeis, como supõem os próceres da honestidade petista, corporativamente centrados, herdeiros, junto aos bons burgueses do PSDB, da aflição legiferante portuguesa para encobrir as realidades mais profundas e escamotear as saídas culturais para resolver os problemas brasileiros.
Só um partido que respeita a história do Brasil será capaz de reconhecer no brasileiro, pobre, remediado, médio ou rico, e na nossa cultura como meio de formação de uma identidade maior, o nosso potencial de honestidade pessoal e público.
VIII
Enfim, é nesse quadro de formação, de visão e de atuação políticas que o PT toma o poder legitimamente para governar o Brasil. O que se pode dele esperar? De uma perspectiva positiva e esperançosa, a capacidade de liderar um momento de mudanças que a sociedade brasileira vem exigindo com grande ênfase: mudanças na macroeconomia, na qualidade da educação, na distribuição de riquezas, na forma de vivência política, no posicionamento do Brasil em relação à comunidade internacional. Uma tal agenda necessitará de forças de apoio e de compartilhamento de responsabilidades. Governo de coalizão efetiva. Dada a formação genética do PT, só por um processo de superação dialética, movido pelo sentimento de responsabilidade do poder, é que o PT, com Lula ao seu leme, poderá constituir um governo nesses moldes.Podemos dizer que o governo Lula terá três adversários a enfrentar: um externo, que são as condições do imperialismo capitalista; um interno que são as forças conservadoras brasileiras; e um mais interno ainda, que são os dissensos e divergências dentro do próprio PT. Os aliados de esquerda vão estar espremidos entre essas três forças adversárias, certamente buscando meios de intermediar. Não será tarefa fácil para Lula nem para seus aliados.
Por sua vez, há o povo, que espera. Em Lula o povo depositou sua esperança, seu desejo de mudanças para melhorar sua vida. Alguns dizem que o povo tem esperanças milenaristas, espera um salvador que o redima da sua situação de pobreza e humilhação. Mas o povo sabe também esperar por esperar, dando tempo a que as coisas aconteçam e, se acontecerem, delas participará. Não será por uma propalada organização das forças populares, de cunho comunista-leninista, ou de cunho sindicalista-petista, que o povo participará. Não é assim, nunca foi assim, que o povo alcançou em vários momentos da história brasileira a autoconsciência de sua posição para poder agir politicamente. Não podemos sucumbir aos apelos da reificação dos sentimentos esquerdistas da classe média para sindicalizar as relações sociais que se dão no seio do povão. É preciso encontrar novos caminhos, de razão e lógica cultural, de vivência e convivência, de experimentação de relacionamento e de atitudes criativas.
A tarefa do governo Lula é estar ciente de que o povo tem suas razões de ser e agir e que ele tem que estar atento a isso, conduzindo seu partido e seus aliados a um caminho firme e seguro.
De nossa parte, nossa grande tarefa é nos mantermos fiéis à história ascensional do povo brasileiro e de seguirmos na busca de elevar esse povo, ainda recalcado como ser político e como agente cultural autônomo, ao ponto de consolidação de uma nova cultura mundial. Precisamos nos manter confiantes de que isto é possível e que assim há de ser feito, por obra e graça da inteligência e do amor.
Resumo: O propósito do artigo é o de contribuir para um melhor entendimento das coordenadas ideológicas e da trajetória histórica percorrida pelo PT, da fundação a chegada do partido ao poder em 2003, para refletir sobre a sua pretensão de ser o legítimo representante do sentimento de brasilidade e dos anseios populares.
Palavras-chave: Partido dos Trabalhadores, sociologia uspiana, populismo, autoritarismo e autocentramento.
* Mércio Gomes é antropólogo, professor da UFF, autor dos livros O índio na história (Vozes, 2002), The indians and Brazil (UPF, 2000) e Darcy Ribeiro (Ícone, 2000).
Extraído de: http://www.achegas.net/numero/dez/mercio_gomes_10.htm
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Tentei uma universidade séria e não consegui"Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei."
Maria Maia - documentarista
"Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"
Filho de professora primária, tendo o pai morrido na infância, Darcy Ribeiro teve uma vida venturosa. Do menino pequeno fazendo travessuras na Montes Claros natal ao homem que enfrentou a morte depois de mais de 20 anos de luta contra um câncer existe uma trajetória de irreverência e, principalmente, coerência.
Na infância, roubou um saco de azul de metileno na farmácia do tio e colocou na caixa d’água tingindo toda a cidade. Levou uma surra homérica da mãe. Na velhice ele fugiu da UTI de um hospital e foi para Maricá acabar o livro que é sua obra-prima, O Povo Brasileiro.
Foi adolescente para Belo Horizonte estudar medicina e depois de várias reprovações descobre não ter nenhuma vocação para ser médico. Vai então para São Paulo estudar antropologia e em seguida vai trabalhar junto ao Marechal Rondon, como uma espécie de pupilo do homem que dizia a respeito dos índios “morrer, talvez, matar nunca”. Passa dez anos circulando entre povos indígenas período em que, juntamente com os irmãos Villas Boas cria o Parque Indígena do Xingu. Para tanto se entrevistou com Getúlio Vargas e o convenceu da necessidade da criação do Parque.
No final dos anos 50, encontra-se com outro luminar da cultura brasileira, o educador Anísio Teixeira. Sob a influência de Anísio passa a se dedicar à educação formal e chega a criar a Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor. Dali foi para o Ministério da Educação e em seguida e para Casa Civil de Jango. O Golpe Militar de 64 obrigou-o a se exilar no Uruguai.
Os anos de exílio de Darcy Ribeiro foram inacreditavelmente produtivos. Fundou e reformou universidades por toda a América Latina e chegou a assessora o presidente Allende, no Chile e Alvarado, no Peru. Inquieto, no exílio deu vazão ao lado de escritor. Publicou ensaios de antropologia das civilizações e até romances.
Darcy volta ao Brasil definitivamente, em 1976 e vai se ligar politicamente ao PDT de Brizola. É eleito vice-governador em 1982 e se dedica à criação de 500 CIEPS, onde finalmente põe em prática sua ideia de educação integral para todos. Em 1991 é eleito senador e dá continuidade a seu veio de educador e elabora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
Morre em fevereiro de 1997, aos 72 anos. Seu último ato no hospital foi dar uma aula de cultura brasileira para uma criança de 9 anos, filho da médica que cuidava dele. Nela dizia que se dedicou às duas faces da educação: a erudita e a popular, criou universidades e um sambódromo.
Filho de professora primária, tendo o pai morrido na infância, Darcy Ribeiro teve uma vida venturosa. Do menino pequeno fazendo travessuras na Montes Claros natal ao homem que enfrentou a morte depois de mais de 20 anos de luta contra um câncer existe uma trajetória de irreverência e, principalmente, coerência.
Na infância, roubou um saco de azul de metileno na farmácia do tio e colocou na caixa d’água tingindo toda a cidade. Levou uma surra homérica da mãe. Na velhice ele fugiu da UTI de um hospital e foi para Maricá acabar o livro que é sua obra-prima, O Povo Brasileiro.
Foi adolescente para Belo Horizonte estudar medicina e depois de várias reprovações descobre não ter nenhuma vocação para ser médico. Vai então para São Paulo estudar antropologia e em seguida vai trabalhar junto ao Marechal Rondon, como uma espécie de pupilo do homem que dizia a respeito dos índios “morrer, talvez, matar nunca”. Passa dez anos circulando entre povos indígenas período em que, juntamente com os irmãos Villas Boas cria o Parque Indígena do Xingu. Para tanto se entrevistou com Getúlio Vargas e o convenceu da necessidade da criação do Parque.
No final dos anos 50, encontra-se com outro luminar da cultura brasileira, o educador Anísio Teixeira. Sob a influência de Anísio passa a se dedicar à educação formal e chega a criar a Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor. Dali foi para o Ministério da Educação e em seguida e para Casa Civil de Jango. O Golpe Militar de 64 obrigou-o a se exilar no Uruguai.
Os anos de exílio de Darcy Ribeiro foram inacreditavelmente produtivos. Fundou e reformou universidades por toda a América Latina e chegou a assessora o presidente Allende, no Chile e Alvarado, no Peru. Inquieto, no exílio deu vazão ao lado de escritor. Publicou ensaios de antropologia das civilizações e até romances.
Darcy volta ao Brasil definitivamente, em 1976 e vai se ligar politicamente ao PDT de Brizola. É eleito vice-governador em 1982 e se dedica à criação de 500 CIEPS, onde finalmente põe em prática sua ideia de educação integral para todos. Em 1991 é eleito senador e dá continuidade a seu veio de educador e elabora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
Morre em fevereiro de 1997, aos 72 anos. Seu último ato no hospital foi dar uma aula de cultura brasileira para uma criança de 9 anos, filho da médica que cuidava dele. Nela dizia que se dedicou às duas faces da educação: a erudita e a popular, criou universidades e um sambódromo.
Créditos da foto: Arquivo FunDar
Inteligência uspiana
Olavo de Carvalho
Jornal da Tarde, 16 de março de 2000
Jornal da Tarde, 16 de março de 2000
A classe acusada reagiu como de praxe: primeiro, rosnar e latir para afastar o intruso; falhado esse expediente, fazer-se de morta até que o perigo passe; por fim, apossar-se do tema, reciclá-lo e reapresentá-lo como grande novidade.
Na imprensa dita cultural não falta quem anseie por servir de motoboy para esse gênero de mensagens. Destaca-se nisso o suplemento Mais!, que escolheu por nome um advérbio de quantidade para deixar ao leitor a escolha da qualidade subentendida: “mais irrelevante”, “mais bobo”, etc.
Assim, decorridos cinco anos, esse apêndice de papel deu-nos, em breve entrevista com Sérgio Miceli sobre o caso João Moreira Salles, uma amostra do que a classe pensante, pensando e pensando e pondo nisto uma força danada, pôde fazer nesse ínterim com o supramencionado tema.
Perguntado sobre as razões do fascínio que a intelectualidade sente pelos marginais, o acadêmico respondeu: “Discordo dos termos em que a pergunta está formulada.” Dito isto, imergiu em búdico silêncio, deixando ao público o encargo de adivinhar as profundidades do seu pensamento, e ao repórter a humilhação de não saber jamais onde foi que errou. Ensinar por meio do silêncio é a suprema glória do pedagogo.
Com essa resposta o professor Miceli provou que está no lugar certo como titular de Sociologia da USP. Ninguém sabe calar com a elegância, a classe, o aplomb de um sociólogo da USP. Não me venham reduzir mesquinhamente o caso a uma aplicação da regra de Wittgenstein: “Onde não se pode falar, deve-se calar.” Wittgenstein jamais atinou com a arte sutil de transformar o silêncio em pito. Eu diria que é autêntica criação uspiana, se não houvesse o precedente daquele pai de família do conto de Arthur de Azevedo, que, indagado pelo filho sobre o que é “plebiscito”, mete o atrevido de castigo no banheiro enquanto vai consultar discretamente o dicionário.
A pergunta seguinte – se “a solidariedade é uma fantasia ou uma nova ação política” – deve ter parecido ao professor Miceli muito bem formulada, pois aí ele não apenas consentiu em falar como ainda o fez no mais puro estilo embromation: “João Moreira Salles procedeu como papel-carbono escolástico, desejoso de recuperar a experiência pelas lentes simbólicas do vivente e receoso de impor seus esquemas de apreensão.” Traduzido em português, quer dizer que João Moreira Salles preferiu deixar que Marcinho VP falasse por si. Mas, dito assim, não tem graça, além de também não constituir resposta nenhuma.
Por fim, indagado sobre “o que difere o malandro do narcotraficante” – pergunta formulada e respondida na gramática peculiar do Mais!, onde “diferir” vale como “diferenciar” –, o professor Miceli, aí sim, mostrou a que veio. “Narcotraficante – protestou – é uma designação de embocadura policial, enquadrando uma pessoa atuante numa esfera de atividade que está longe de permitir tamanha simplificação.” Nada como o rigor uspiano para impugnar os simplismos da linguagem comum. De fato, pode haver coisa mais simplista, mais boba, mais antiintelectual do que chamar um sujeito de narcotraficante só porque ele vende drogas? Chega a ser insultuoso, não é mesmo?
Marcinho VP mereceria um termo à altura do vocabulário micélico, que infelizmente o entrevistado não nos forneceu ainda desta vez, tão fundo é o seu desprezo pelos apedeutas para os quais pau é pau e pedra é pedra. O professor Miceli jamais cairia na vulgaridade de ser explícito: para prová-lo, ele também deixou no ar o enigma de saber como um grande espírito tão cioso da precisão de linguagem pode, à imitação do inculto repórter, usar o verbo “diferir” como transitivo direto.
Já me perguntei mil vezes o que é preciso a gente fazer para ficar assim. Já investiguei de tudo: traumas de infância, privação de leituras, ressentimento edípico, alimentação deficiente, doutrinação marxista, uso errôneo das camisinhas. Tudo em vão. A cabeça uspiana é causa sui e não tem explicação no mundo exterior. Tudo o que nela se passa vem dela e nela termina. A “autonomia universitária” foi ali levada às últimas conseqüências: a USP é independente da realidade. Assim, não é de espantar que o tema das relações entre intelectuais e bandidos tenha ficado tão diferente do que era no original, transformando-se de um assunto explosivo numa desconversa evanescente, pedante e supremamente sonsa. Vargas Llosa dizia que a mídia é uma máquina onde entra um homem e sai um hambúrguer. A diferença da USP é que ali o hambúrguer não sai.
Extraído de: http://www.olavodecarvalho.org/semana/000316jt.htm
2015
Política medíocre
Precisamos de uma reforma política que estabeleça regras republicanas e que motive a juventude
A política brasileira está doente, capenga, sem pernas,
rastejando como uma cobra sem saber para onde ir. Deveríamos ser os
semeadores deste país. Cultivá-lo como ele é e pelo que é. E encontrar a
nossa vida saudável, feliz, o nosso lugar de verdade.
Infelizmente, por falta de lideranças e estadistas, isto está muito longe da imaginação dos atuais políticos. O imaginário deles remete à busca insaciável pelo poder, a expansão ilimitada que destrói o meio ambiente e a propaganda escancarada pelo incentivo de produtos de consumo. É nesse imaginário que o sistema se apoia.
Não se trata de políticas, mas de políticos, poucos se salvam. Na maioria, são pessoas que pedem o voto de toda e qualquer maneira. Sem propostas, sem programa algum. Nem que seja necessário mentir. O seu objetivo é permanecer no poder ou voltar ao poder e, para isso, são capazes de tudo.
Para o pensador Augusto Cury, “um ser humano inteligente discute ideias. Um ser humano mediano discute comportamentos, como fatos, estilos e conceitos. Um ser humano superficial discute pessoas, quer dizer, suas roupas, projeção, imagem. Onde vocês se encontram?”
De acordo com a romancista, poetisa e tradutora Lya Luft, “Estamos carentes de excelência. A mediocridade reina assustadora, implacável e persistente. Autoridades, altos cargos, líderes, em boa parte desinformada, desinteressada, inculta, lamentável.
Alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos – refiro-me às públicas – vão se tornando reduto de pobreza intelectual”.
Acredita-se que o potencial criativo humano tenha início na infância. Por isso, o fortalecimento da educação básica é essencial, ainda bem distante do ideal. Criar só é possível quando o cérebro detém uma grandiosa e alargada variedade de conhecimentos e informações, fazendo com que as associações de ideias, ocorram de uma forma mais fluida e direcionada.
Na Inglaterra, desde a década de 1950, as crianças, em seus primeiros momentos na escola, começam a receber ensinamentos sobre comportamento, ética e filosofia. Isso vai orientá-las pelo resto da vida.
No Brasil, há alguns anos, isso também tem sido prática em algumas escolas de educação infantil e ensino fundamental. Mas é uma experiência que precisa ser expandida.
Mas, além disso, em um país que vivencia uma forte crise moral, que se reflete e se amplifica nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, ética, valores, respeito e responsabilidade, deveriam ser temas cotidianos, nas televisões, nas casas, nas igrejas, nos sindicatos, nas empresas.
O Brasil sempre foi visto como o “país do futuro”. Na verdade, de um país subdesenvolvido, com índices de miséria alarmantes, nós conseguimos avançar muito nessas últimas décadas. Mas não podemos ficar achando que tudo se resolve pela inércia.
O que conquistamos do ponto de vista da economia, da tecnologia e da infraestrutura, pode se perder se não tivermos a capacidade de construir uma sociedade forte, com ética, integridade, responsabilidade e compromisso como próximo.
E, para fazer isso, precisamos mudar a política. Mais que uma reforminha cosmética, precisamos de uma reforma política séria e profunda.
Precisamos de uma reforma política que estabeleça regras republicanas e que motive a juventude a participar da vida política, na busca de ideais e não de dinheiro e poder.
VICENTE VUOLO é economista, cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
vicente.vuolo10@gmail.com
Infelizmente, por falta de lideranças e estadistas, isto está muito longe da imaginação dos atuais políticos. O imaginário deles remete à busca insaciável pelo poder, a expansão ilimitada que destrói o meio ambiente e a propaganda escancarada pelo incentivo de produtos de consumo. É nesse imaginário que o sistema se apoia.
Não se trata de políticas, mas de políticos, poucos se salvam. Na maioria, são pessoas que pedem o voto de toda e qualquer maneira. Sem propostas, sem programa algum. Nem que seja necessário mentir. O seu objetivo é permanecer no poder ou voltar ao poder e, para isso, são capazes de tudo.
Para o pensador Augusto Cury, “um ser humano inteligente discute ideias. Um ser humano mediano discute comportamentos, como fatos, estilos e conceitos. Um ser humano superficial discute pessoas, quer dizer, suas roupas, projeção, imagem. Onde vocês se encontram?”
"A política brasileira
está doente, capenga, sem pernas, rastejando como uma cobra sem saber
para onde ir. Deveríamos ser os semeadores deste país. Cultivá-lo como
ele é e pelo que é. E encontrar a nossa vida saudável, feliz, o nosso
lugar de verdade"
De acordo com a romancista, poetisa e tradutora Lya Luft, “Estamos carentes de excelência. A mediocridade reina assustadora, implacável e persistente. Autoridades, altos cargos, líderes, em boa parte desinformada, desinteressada, inculta, lamentável.
Alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos – refiro-me às públicas – vão se tornando reduto de pobreza intelectual”.
Acredita-se que o potencial criativo humano tenha início na infância. Por isso, o fortalecimento da educação básica é essencial, ainda bem distante do ideal. Criar só é possível quando o cérebro detém uma grandiosa e alargada variedade de conhecimentos e informações, fazendo com que as associações de ideias, ocorram de uma forma mais fluida e direcionada.
Na Inglaterra, desde a década de 1950, as crianças, em seus primeiros momentos na escola, começam a receber ensinamentos sobre comportamento, ética e filosofia. Isso vai orientá-las pelo resto da vida.
No Brasil, há alguns anos, isso também tem sido prática em algumas escolas de educação infantil e ensino fundamental. Mas é uma experiência que precisa ser expandida.
Mas, além disso, em um país que vivencia uma forte crise moral, que se reflete e se amplifica nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, ética, valores, respeito e responsabilidade, deveriam ser temas cotidianos, nas televisões, nas casas, nas igrejas, nos sindicatos, nas empresas.
O Brasil sempre foi visto como o “país do futuro”. Na verdade, de um país subdesenvolvido, com índices de miséria alarmantes, nós conseguimos avançar muito nessas últimas décadas. Mas não podemos ficar achando que tudo se resolve pela inércia.
O que conquistamos do ponto de vista da economia, da tecnologia e da infraestrutura, pode se perder se não tivermos a capacidade de construir uma sociedade forte, com ética, integridade, responsabilidade e compromisso como próximo.
E, para fazer isso, precisamos mudar a política. Mais que uma reforminha cosmética, precisamos de uma reforma política séria e profunda.
Precisamos de uma reforma política que estabeleça regras republicanas e que motive a juventude a participar da vida política, na busca de ideais e não de dinheiro e poder.
VICENTE VUOLO é economista, cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
vicente.vuolo10@gmail.com
Extraído de: http://midianews.com.br/conteudo.php?sid=262&cid=235633
"Vou implantar o Socialismo no Brasil", diz Lula à Walesa
28.04.2005
Dezesseis anos depois...
Na quarta reportagem da série que comemora os 40 anos da TV Globo, o
repórter Pedro Bial reencontra Lech Walesa na cidade polonesa de Gdansk.
Dezesseis anos atrás, em 1989, o ex-metalúrgico Lech Walesa se preparava para assumir o poder na Polônia como o primeiro presidente eleito desde os anos 30. Naquele ano, o então líder do Sindicato Solidariedade deu uma entrevista ao repórter Pedro Bial.
1989: Se hoje Lech Walesa é o maior líder popular da história da Polônia, essa liderança nasceu do jeito simples e gozador com que ele se expressa. Foi graças a essa irreverência que ele decidiu dar uma entrevista à Rede Globo no meio do comício que faz a cada domingo depois da missa na Igreja de Santa Brigida.
2005: Dezesseis anos depois, a Igreja de Santa Brígida voltou a ser apenas uma igreja. Aos domingos, a missa. Não há comício depois da cerimônia. E a democracia expôs o anti-semitismo do pároco local, que foi afastado de suas funções e está sendo processado respondendo acusações por abuso sexual de menores.
Em 1989, Pedro Bial perguntou: Quem foi mais importante na história da solidariedade? O Papa ou Gorbachev?
Walesa respondeu com uma pergunta. Quem é o maior? O grande mestre do xadrez ou o campeão de boxe? Ambos são campeões, mas em categorias diferentes.
Com 16 anos de distância daquele palanque, hoje Lech Walesa faz uma reflexão mais franca e profunda.
"Evidentemente, mais de 50% do crédito pela derrubada do comunismo são do Papa João Paulo II. Ele deu coragem a pequenas estruturas sindicais clandestinas, como o Solidariedade. No início, eu só tinha dez pessoas comigo, mas isto foi o bastante para arrastar as massas. Gorbachev nunca teria existido sem este processo. Quando Gorbachev chegou ao poder, tudo já começara a desmoronar. Ele foi escolhido por ser um bom negociador, culto, afável, sedutor; disposto a reformar o comunismo. Mas nós, da oposição, sabíamos que o comunismo era irreformável, que tentar reformar o sistema significava destruir o sistema. Gorbachev ganhou o prêmio Nobel não pelo que ele fez, mas pelo que não conseguiu fazer”.
Sete anos antes de Gorbachev, em 1983, Lech Walesa também ganhou o Nobel da Paz.
Bial perguntou ao líder, em 1989, se pode haver justiça social numa economia de livre mercado.
“Até hoje só a economia de livre mercado provou funcionar. O que não significa que tudo nela seja bom. A sociedade polonesa não quer construir o capitalismo sem crítica. A Polônia quer fazer o sistema polonês, sem os erros nem do sistema capitalista, nem do socialista”, respondeu Walesa.
"O capitalismo não é um bom sistema, mas ninguém inventou coisa melhor", responde Walesa em 2005, antes de fazer um mea culpa.
"Eu venci com o proletariado mas eu sabia, ao mesmo tempo, que aqueles operários seriam despedidos, fábricas seriam fechadas. Este era o meu drama: até hoje, não há uma terceira via", afirma.
1989: o símbolo tradicional da Polônia soberana é a águia coroada. Depois que tomaram o poder, os comunistas tiraram a coroa da águia. Por isso, o repórter perguntou: “a coroa voltará a cabeça da águia?”
“Hoje a Polônia vive o confronto entre o velho e o novo. Os comunistas e os solidariedade. No futuro, numa sociedade pluralista, todas as correntes estarão representadas. Os católicos, os comunistas, os judeus, esse será o futuro de um socialismo transformado, quando as diferença se reunirão no parlamento para verificar a vontade da maioria”, apontou.
"Antes, éramos todos iguais na pobreza. A liberdade provocou a criação de grandes diferenças, desigualdades", diz hoje Walesa.
O sindicalista Lech Walesa foi presidente da Polônia de 1991 a 1995. Seu mandato não deixou saudades entre os poloneses. Na entrevista de 16 anos atrás, Walesa deu conselhos a outro líder sindical que buscava ser presidente.
1989:O repórter Bial diz a ele que temos um sindicalista que é candidato à presidência da República, e se ele teria algum conselho a dar ao sindicalista.
“Ele deve se conduzir como eu, aproveitar as chances e permanecer fiel a suas origens”, disse.
"Eu sabia, eu previ que Lula seria presidente. Eu o conheço, nós já conversamos, mas sempre caminhamos em direções contrárias", afirma agora Lech Walesa.
Os dois ex-operários Walesa e Lula sempre tiveram uma relação de rivalidade. Na entrevista, o polonês afirma que o presidente Lula quer implantar o socialismo no Brasil e faz uma comparação engenhosa para ilustrar o antagonismo entre os dois:
"Fazer o comunismo a partir do capitalismo é muito simples - é como fazer sopa de peixe de um aquário: basta aquecer a água, não precisa nem temperar, porque as plantas já estão lá dentro".
E, bem a seu estilo, Walesa arremata com o elogio a si mesmo:
"Fazer o contrário, o capitalismo a partir do comunismo, é como fazer um aquário. Isso é complicado! E nós já conseguimos, já temos uns peixinhos nadando por aí. Vai fazer um aquário de uma sopa de peixe!", diz.
Indisfarçavelmente prosa por sua metáfora, Walesa arremata enquanto tira o microfone:
"Se encontrarem com o Lula, mandem lembranças".
O presidente Lula não quis comentar as declarações de Lech Walesa.
28.04.2005
Extraído de: http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA953945-3586-2956...
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Dezesseis anos atrás, em 1989, o ex-metalúrgico Lech Walesa se preparava para assumir o poder na Polônia como o primeiro presidente eleito desde os anos 30. Naquele ano, o então líder do Sindicato Solidariedade deu uma entrevista ao repórter Pedro Bial.
1989: Se hoje Lech Walesa é o maior líder popular da história da Polônia, essa liderança nasceu do jeito simples e gozador com que ele se expressa. Foi graças a essa irreverência que ele decidiu dar uma entrevista à Rede Globo no meio do comício que faz a cada domingo depois da missa na Igreja de Santa Brigida.
2005: Dezesseis anos depois, a Igreja de Santa Brígida voltou a ser apenas uma igreja. Aos domingos, a missa. Não há comício depois da cerimônia. E a democracia expôs o anti-semitismo do pároco local, que foi afastado de suas funções e está sendo processado respondendo acusações por abuso sexual de menores.
Em 1989, Pedro Bial perguntou: Quem foi mais importante na história da solidariedade? O Papa ou Gorbachev?
Walesa respondeu com uma pergunta. Quem é o maior? O grande mestre do xadrez ou o campeão de boxe? Ambos são campeões, mas em categorias diferentes.
Com 16 anos de distância daquele palanque, hoje Lech Walesa faz uma reflexão mais franca e profunda.
"Evidentemente, mais de 50% do crédito pela derrubada do comunismo são do Papa João Paulo II. Ele deu coragem a pequenas estruturas sindicais clandestinas, como o Solidariedade. No início, eu só tinha dez pessoas comigo, mas isto foi o bastante para arrastar as massas. Gorbachev nunca teria existido sem este processo. Quando Gorbachev chegou ao poder, tudo já começara a desmoronar. Ele foi escolhido por ser um bom negociador, culto, afável, sedutor; disposto a reformar o comunismo. Mas nós, da oposição, sabíamos que o comunismo era irreformável, que tentar reformar o sistema significava destruir o sistema. Gorbachev ganhou o prêmio Nobel não pelo que ele fez, mas pelo que não conseguiu fazer”.
Sete anos antes de Gorbachev, em 1983, Lech Walesa também ganhou o Nobel da Paz.
Bial perguntou ao líder, em 1989, se pode haver justiça social numa economia de livre mercado.
“Até hoje só a economia de livre mercado provou funcionar. O que não significa que tudo nela seja bom. A sociedade polonesa não quer construir o capitalismo sem crítica. A Polônia quer fazer o sistema polonês, sem os erros nem do sistema capitalista, nem do socialista”, respondeu Walesa.
"O capitalismo não é um bom sistema, mas ninguém inventou coisa melhor", responde Walesa em 2005, antes de fazer um mea culpa.
"Eu venci com o proletariado mas eu sabia, ao mesmo tempo, que aqueles operários seriam despedidos, fábricas seriam fechadas. Este era o meu drama: até hoje, não há uma terceira via", afirma.
1989: o símbolo tradicional da Polônia soberana é a águia coroada. Depois que tomaram o poder, os comunistas tiraram a coroa da águia. Por isso, o repórter perguntou: “a coroa voltará a cabeça da águia?”
“Hoje a Polônia vive o confronto entre o velho e o novo. Os comunistas e os solidariedade. No futuro, numa sociedade pluralista, todas as correntes estarão representadas. Os católicos, os comunistas, os judeus, esse será o futuro de um socialismo transformado, quando as diferença se reunirão no parlamento para verificar a vontade da maioria”, apontou.
"Antes, éramos todos iguais na pobreza. A liberdade provocou a criação de grandes diferenças, desigualdades", diz hoje Walesa.
O sindicalista Lech Walesa foi presidente da Polônia de 1991 a 1995. Seu mandato não deixou saudades entre os poloneses. Na entrevista de 16 anos atrás, Walesa deu conselhos a outro líder sindical que buscava ser presidente.
1989:O repórter Bial diz a ele que temos um sindicalista que é candidato à presidência da República, e se ele teria algum conselho a dar ao sindicalista.
“Ele deve se conduzir como eu, aproveitar as chances e permanecer fiel a suas origens”, disse.
"Eu sabia, eu previ que Lula seria presidente. Eu o conheço, nós já conversamos, mas sempre caminhamos em direções contrárias", afirma agora Lech Walesa.
Os dois ex-operários Walesa e Lula sempre tiveram uma relação de rivalidade. Na entrevista, o polonês afirma que o presidente Lula quer implantar o socialismo no Brasil e faz uma comparação engenhosa para ilustrar o antagonismo entre os dois:
"Fazer o comunismo a partir do capitalismo é muito simples - é como fazer sopa de peixe de um aquário: basta aquecer a água, não precisa nem temperar, porque as plantas já estão lá dentro".
E, bem a seu estilo, Walesa arremata com o elogio a si mesmo:
"Fazer o contrário, o capitalismo a partir do comunismo, é como fazer um aquário. Isso é complicado! E nós já conseguimos, já temos uns peixinhos nadando por aí. Vai fazer um aquário de uma sopa de peixe!", diz.
Indisfarçavelmente prosa por sua metáfora, Walesa arremata enquanto tira o microfone:
"Se encontrarem com o Lula, mandem lembranças".
O presidente Lula não quis comentar as declarações de Lech Walesa.
28.04.2005
Extraído de: http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA953945-3586-2956...
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Exclusivo: A lista de políticos a quem Pessoa diz ter dado dinheiro obtido no petrolão
Dinheiro
ilegal doado para candidatos dentro da lei é crime? É a primeira
questão levantada pela delação premiada do dono da UTC
O engenheiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tem contratos
bilionários com o governo, é apontado como o chefe do clube dos
empreiteiros que se organizaram para saquear a Petrobras e cliente das
palestras do ex-presidente Lula. Desde a sua prisão, em novembro
passado, ele ameaça contar com riqueza de detalhes como petistas e
governistas graúdos se beneficiaram do maior esquema de corrupção da
história do país. Nos últimos meses, Pessoa pressionou os detentores do
poder - por meio de bilhetes escritos a mão - a ajudá-lo a sair da
cadeia e livrá-lo de uma condenação pesada. Ao mesmo tempo, começou a
negociar com as autoridades um acordo de delação premiada. o empresário
se recusava a revelar o muito que testemunhou graças ao acesso
privilegiado aos gabinetes mais importantes de Brasília. O Ministério
Público queria extrair dele todos os segredos da engrenagem criminosa
que desviou pelo menos 6 bilhões de reais dos cofres públicos. Essa
negociação arrastada e difícil acabou na semana passada, quando o
ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o
acordo de colaboração entre o empresário e os procuradores.
VEJA teve acesso aos termos desse acerto. O conteúdo é demolidor. As
confissões do empreiteiro deram origem a 40 anexos recheados de
planilhas e documentos que registram o caminho do dinheiro sujo. Em
cinco dias de depoimentos prestados em Brasília, Pessoa descreveu como
financiou campanhas à margem da lei e distribuiu propinas. Ele disse que
usou dinheiro do petrolão para bancar despesas de 18 figuras coroadas
da República. Foi com a verba desviada da estatal que a UTC doou
dinheiro para as campanhas de Lula em 2006 e de Dilma em 2014. Foi com
ela também que garantiu o repasse de 3,2 milhões de reais a José Dirceu,
uma ajudinha providencial para que o mensaleiro pagasse suas despesas
pessoais. A UTC ascendeu ao panteão das grandes empreiteiras nacionais
nos governos do PT. Ao Ministério Público, Pessoa fez questão de
registrar que essa caminhada foi pavimentada com propinas. Altas somas.Valores | |
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Campanha de Dilma em 2014 | 7,5 milhões de reais |
Campanha de Lula em 2006 | 2,4 milhões de reais |
Ministro Edinho Silva (PT) | * |
Ministro Aloizio Mercadante (PT) | 250.000 reais |
Senador Fernando Collor (PTB) | 20 milhões de reais |
Senador Edison Lobão (PMDB) | 1 milhão de reais |
Senador Gim Argello (PTB) | 5 milhões de reais |
Senador Ciro Nogueira (PP) | 2 milhões de reais |
Senador Aloysio Nunes (PSDB) | 200.000 reais |
Senador Benedito de Lira (PP) | 400.000 reais |
Deputado José de Fillipi (PT) | 750.000 reais |
Deputado Arthur Lira (PP) | 1 milhão de reais |
Deputado Júlio Delgado (PSB) | 150.000 reais |
Deputado Dudu da Fonte (PP) | 300.000 reais |
Prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) | 2,6 milhões de reais |
O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto | 15 milhões de reais |
O ex-ministro José Dirceu | 3,2 milhões de reais |
O ex-presidente da Transpetro Sergio Machado | 1 milhão de reais |
Para ler a continuação dessa reportagem - CLIQUE AQUI: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-sombra-do-empreiteiro
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